Uma RPPN no Amapá pede socorro

Posted on: September 12, 2013, by :
Garrinchão-de-barriga-vermelha na RPPN Revecom

 

A fala calma, o olhar suave e o andar sem pressa enganam. O médico e ambientalista Paulo Amorim é uma força da natureza. Sozinho, com pouca ajuda, mantém em Santana (cidade que abriga o principal porto do Amapá, ao lado de Macapá) uma RPPN, chamada Revecom, que vale por duas. Isso porque, além de preservar um bom trecho de mata em meio à mancha urbana, cuida de animais que o Ibama resgata de cativeiros. Dr. Paulo (como é conhecido) também conduz um excelente programa de educação ambiental para as crianças da região. O lugar, por fim, é ainda é uma excelente opção para quem quer observar aves, pois fica às margens do Amazonas, e tem trechos de mata alagável e mata de terra firme. No entanto, tudo isso encontra-se em risco. Os esforços do médico não se fazem acompanhar de recursos. Cuidar de tantos animais – e de uma área como a da reserva – não é barato. Nesta entrevista, ele deixa claras as dificuldades. Salvar a área não significa só deixar a salvo os animais que não têm para onde ir – significa também resgatar um trabalho que inspira e traz resultados práticos na educação das crianças. É uma história de vida que se confunde com a defesa da floresta.

BLOG: Como se formou a ideia de uma RPPN e como foi o processo para implantá-la? O que pesou na escolha do local?

PAULO: Venho de uma família pobre. Morei em  área de um morrote num subúrbio do Rio de Janeiro, rua Miguel Rangel, Cascadura, num porão alugado, adaptado para residência, com dois minúsculos quartos, uma pequena sala, uma exígua cozinha onde só cabia um fogão e uma mesa para dois lugares. Tinha uma copa de médio tamanho onde minha mãe costurava. . A grande vantagem é que o pequeno lar era rico em sabedoria que emanava de minha mãe e de meu pai, extremos admiradores da Natureza.  Mas o quintal… ahh o quintal. Era enorme e confrontando com um imenso terreno ainda florestado. Nesse espaço vivi meus sonhos de Tarzan e Jim das selvas. Nele fazia minhas incursões pelas selvas e savanas africanas onde, imaginariamente via diversos animais: leões, tigres, elefantes… Em outro devaneio “Minha Selva” transformava-se no “Inferno Verde”. Nele eu visualizava as cenas descritas por Alfred Russel Wallace, Charles Darwin, David Grann. Os relato sobra as atividade do Marechal Rondon e dos irmãos Vilas Boas. Livros como “O Guarani” e assemelhados exerceram uma grande influência sobre meu imaginário. Ganhei do meu pai, assim que foi lançada, uma coleção de discos de vinil, que guardo até hoje, do Dalgas Frisch que registrou os cantos de aves e outros sons de animais do Brasil. Meu contato com pesquisadores do Museu Nacional, na adolescência, foi fundamental para o desenvolvimento de um razoável conhecimento da História Natural: Victor Starviarsky, Araújo Feio, Alvaro Xavier Moreira, Werner Bookerman, Paulo Vanzolini, Augusto Ruschi, entre outros. Isso cravou para sempre o amor e a paixão que tenho pela natureza em todas suas instâncias, bem no âmago do meu coração mítico. Minhas “expedições darwinianas”, custeadas pelo meu pai, pelas matas ainda existentes em Jacarepaguá (RJ), Itaipu (RJ) e na hoje ReBio Tinguá (RJ), transformaram meus devaneios e sonhos gerados no quintal de Cascadura, em uma certeza e em um desejo muito forte: quando eu “crescesse”, me formasse médico, iria para a Amazônia, viveria nela, cristalizaria minhas experiências e conhecimentos incipientes e seria dono de um local, grande, onde passaria os restos dos meus dias em contato com animais e com a natureza. Cresci, me graduei em medicina em 1972, pela FNM – Praia Vermelha, hoje UFRJ – Fundão – Ilha do Governador (RJ). Em 1974 consegui emprego na ICOMI – Amapá, fui para Serra do Navio, lá fiz três grandes expedições coletando informações e material botânico, como estagiário que era do Museu Nacional, do Depto de Zoologia e do Depto de Botânica. O tempo se passou, acumulei recursos e alguns cursos fora da área médica e, em 1997, adquiri pela microempresa da família (eu e minha esposa) a área que viria se transformar, em abril de 1998, através da Portaria 54N do Ibama, na RPPN REVECOM. Meu sonho se realizara mas… hoje nossa realidade começa a ser tornar um pesadelo graças a irresponsabilidade da sociedade e do poder público que teimam e não considerar os trabalhos conservacionistas que realizamos por aqui. Nosso pecado é ser “uma entidade privada…”. Para recebermos ajuda deveríamos engrossar o rol das ONG´s.

BLOG: Quais são as atividades desenvolvidas na RPPN, e como ela se mantém hoje?

PAULO: Além das atividades de conservação ambiental nos 171.000 metros quadrados da RPPN REVECOM, desenvolvemos o PEACE – Programa de Educação Ambiental, Cidadania e Espirutualidade sob a égide dos princípios da Carta da Terra, da Ecoteologia e da Ecopedagogia Freiriana. Já recebemos mais de 40.000 visitantes e discursamos mais de 75.000 horas aulas/passeio num périplo que dura de 2,5 a 3 horas.  Além disso transformamos o local em um santuário onde recebemos animais selvagens recolhidos pelos órgão ambientais presentes no estado do Amapá. Tratamos, alimentamos esses animais. Muitos são reintroduzidos na Natureza mas outros, por apresentarem deficiências ficam hospedados em logradouros e viveiros. Investimos mais de R$ 1.500.000,00 em infraestruturas e equipamentos, com recursos próprios, para dar suporte ao dois programas.

Com o crescimento do estoque de animais, aumento de mão de obra e uma quase “quebra” da mantenedora da RPPN, a AMORIM & AMORIM LTDA (Revecom Comércio e Serviços Ambientais), CNPJ 01.477.979/0001-56, a saída foi buscar ajuda, parcerias, doações e assemelhados. Um primeiro convênio com o Estado do Amapá aconteceu em 2006, no valor de R$ 49.900,00 aproximadamente. O convênio foi aprovado pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente – COEMA, do estado do Amapá, após exaustivo estudo de compatibilidades jurídicas e inspeção, in loco, por membros do Conselho, mídia e representantes da sociedade. Os anos se passaram e outros convênios foram realizados, inclusive com a Prefeitura Municipal de Santana, e começaram a chegar as parcerias com as grandes empresas locais: MMX (encerrado), Anglo American, AMCEL (encerrado), CIAMPORT, ECOMETALS (encerrado). Também surgiram parcerias com pequenos e médios empresários locais: Casa do Criador, Açougue Novo Milênio, Mercadinho das Peças, Supermercado Santa Lúcia/HJ Santa Fé (avarias de hortifrutigranjeiros – 60 ton a 70 ton/ano). Também a sociedade repassa pequenas doações. Já recebemos pequenos recursos de pessoas e instituições do exterior: Austrália, Estados Unidos, Inglaterra, China, etc. Enfrentamos três grandes crises de falta de recurso: 2005, 2011 e agora. O fato é que dispúnhamos de apenas R$ 13.500,00 reais mensais oriundos de três empresas: CIAMPORT – R$ 3.500,00; Anglo American R$ 3.000,00  AMCEL R$ 7.000,00. O patrocínio da AMCEL foi encerrado em abril e aí… CRISE por falta de recursos! Está sendo terrível. Contas atrasadas, mão de obra (7 celetistas) com pagamentos atrasados, problemas de manutenção em logradouros, viveiros, veículos… um pesadelo. O custo real ideal para manter a estrutura azeitada é da ordem de R$ 30.000,00 mensais dá pra perceber que movimentá-la com R$ 13.500,00 já foi uma arte de ideologia…imagine com R$ 6.500,00!

BLOG: Quais são os desafios principais da Revecom? Como o público pode contribuir?

PAULO:

1 – Precisamos conseguir captação de recursos que não seja oscilante ou descontínuo, através de patrocínios.

2 – Precisamos sensibilizar uma estrutura, produtiva ou de terceiro setor, que nos ajude e que, aos poucos vá assumindo o espaço geográfico (são três lotes: o da RPPN propriamente dito – 17 ha; o da sede 3.000 metros quadrados, onde está a sede – que era  minha residência ; e mais um lote de 3.000 metros quadrados onde se encontram vários logradouros. O fato é que a vida passa, eu e minha esposa já “rodamos” 15 anos praticando as atividades relacionadas acima. Hoje estou com 65 anos e certamente não terei condições de rodar mais 15… tá na hora de arranjar alguém para tomar posse, gradualmente, absorver nossa ideologia, e nos deixar partir em paz, com a certeza do dever cumprido, dentro do conceito: missão – função.

O público pode contribuir: nesta fase aguda, repassando recursos financeiros, vou disponibilizar uma conta da RPPN no Facebook, para este fim.

Depois, quem sabe, ajudando mais cronicamente… as pessoas gastam tanto dinheiro em besteiras… Prestação de contas? Claro! Já estamos experts em fazê-las. A idéia é disponibilizar no FB e na página da RPPN   (que está sendo reformulada por um voluntário).

BLOG: A Revecom recebe com frequência observadores de aves? Quais são as principais espécies em vida livre avistadas na área?

PAULO: Infelizmente não. A atividade tem poucos adeptos por cá, inclusive dos cursos universitários. Aqui temos tucanos, psitacídeos, troquilídeos, formicaríeos, tiranídeos etc. Uma listinha mais ou menos extensa e melhorando, conforme a floresta está respondendo à sua resiliência.

2 thoughts on “Uma RPPN no Amapá pede socorro

  1. Boa tarde!

    Conheço de perto o trabalho do sr Paulo, e posso dizer que poucos hoje tem o discurso ambiental aliado à ações práticas como ele.
    Espero que as grandes empresas voltem os olhos à realidade da REVECOM e que possamos brevemente ver os esforços deste ambientalista compensados!

    Att.

  2. Lamentavelmente não é “uma RPPN no Amapá pede socorro” – o correto é “as RPPNs pedem socorro!”.
    A total falta de apoio, nenhuma linha de financiamento, absoluta indiferença governamental, descaso das empresas e seus passivos ambientais…
    ONGs poderosas se transvestem de boazinhas e ganham em cima das RPPNs sem nada dar em troca.
    São mais de 1.100 Reservas Particulares do Patrimônio Natural que protegem centenas de milhares de hectares em todos os biomas brasileiros, e zero de reconhecimento pela sua importância e significado.

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