Eu vi um beija-flor

Posted on: April 23, 2025, by :
Beija-flor-cinza. Foto meramente ilustrativa.

Para quem não conhece Belo Horizonte, lá pra cima da Praça do Papa há um parque com o nome da serra que emoldura o centro – a Serra do Curral. Os íntimos, no entanto, chamam de Parque do Paredão, nome que vem da geografia íngreme. A estradinha que corta o parque leva a um mirante de onde se vê… um belo horizonte. O caminho corta um trecho de cerrado e outro de mata atlântica (este bem menor), com muita variedade de espécies, algumas delas muito procuradas por observadores, como o rabo-mole-da-serra. Para quem está subindo a estrada, logo antes de chegar a este trecho de mata atlântica, há uma bifurcação. Um caminho secundário desce a serra e mergulha na mata. Mas desde sempre (que eu visito o lugar) este caminho está impedido por cavaletes. Nunca arrisquei descer a tal estradinha, menos por medo da pequena contravenção que eu poderia cometer (brasileiro, né?) e mais por medo da contravenção que poderia me tornar vítima – havia relatos de assaltos no trecho pouco movimentado. Pois eis que neste último fim de semana vi que colocaram uma placa nova, indicando que agora vai haver uma portaria no fim da tal estradinha. E que, portanto, ela seria liberada em breve. Animado, resolvi dar só uma descidinha, para ver qual era. E era bom, estava cheio de passarinho, a mata secundária em plena recuperação com muito bambu e cipó. Então… (aqui acaba o nariz-de-cera, jargão que os jornalistas sumérios e etruscos usavam para um parágrafo introdutório dispensável, com o objetivo de enrolar o leitor).

Então… eu vi um beija-flor-cinza na mata. Vi com o binóculo que a terra há de engolir, muito bem do visto. O peito e a garganta de cor cinza-claro, as costas esverdeadas, o bico preto. No interior da mata (onde se esperaria encontrar um beija-flor-cinza), tudo batendo. No entanto, eu não fiz foto. Quando fui sacar a câmera, ele decolou lépido, voando por entre as árvores, lá para as lonjuras da mata.

E aí é que a cocada azedou. Porque eu nunca tinha ouvido falar de beija-flor-cinza em Belo Horizonte. Se eu vejo um bem-te-vi, sei que é um bem-te-vi, porque bem-te-vi tem de monte na cidade. Ou uma asa-branca. Ou um pardal. Mas beija-flor eu nunca tinha visto na cidade, e nem sabia de alguém que já tivesse visto. De imediato, passei a duvidar de mim. Já faz um tempo que vi beija-flor-cinza, e foi em Ubatuba. Será que era mesmo? A luz não poderia ter me enganado? Não era mais provável um outro beija-flor qualquer, alguma outra espécie comum na região?

Só quem já passou pela experiência de receber uma mensagem do Kassius Santos avisando que a sua foto maravilhosa de um teque-teque no Wikiaves na verdade é de um ferreirinho-relógio, ou só quem já recebeu um email simpático do Fábio Schunck perguntando sobre uma lista do eBird e se você ouviu MESMO um canário-do-mato no Parque Estadual do Curucutu – na divisa de São Paulo com Itanhaém – sabe o quanto isso pode ser humilhante (os nomes e fatos aqui mencionados são ficcionais).

Então, na dúvida, hesitei em colocar o beija-flor-cinza na lista. Vai que, né? Deixa quieto. Outro dia eu volto lá e tento achar o bicho, faço uma foto, assim ninguém vai duvidar de mim. Segue o barco.

Mas fiquei roendo isso por um tempo. Até que, no fim do dia, resolvi dar uma investigada. Abri o eBird. Sim, havia registros de beija-flor-cinza em BH. Abri o Wikiaves. Exatas 32 fotos de beija-flor-cinza na cidade. E boa parte delas no… Parque do Paredão. Ufa. Eu sabia. Eu sou um ser humano ou um rato? Era um beija-flor-cinza, cacete!

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